Reportagem

Leiloeiro recria leis e defende cobrar de cliente acima de 5%

 

Vicente de Paulo sorri, indiferente às denúncias contra a empresa dele: “O Judiciário é a minha casa!”

 O leiloeiro Vicente de Paulo recebeu a repórter na Vip Leilões, em São Luis (MA), e quis saber, de início, se a entrevista seria paga, acrescentando que se o caso fosse esse, negociaria ali mesmo, pagaria e poria fim à conversa. Informado não se tratar de matéria promocional e sim de perguntas para dirimir as dúvidas da população, ele resolveu falar, muito a contra gosto.

Vicente alega ser normal cobrar dos arrematantes valores acima dos 5% estipulados pelo Decreto-Lei número 21981, de 1932, que regulamenta a profissão, desde que os pagamentos de taxas extras estejam previstos em edital. Ele ficou extremamente irritado quando abordado sobre o fato de a Vip cobrir as placas dos veículos colocados em leilão.

Interpelado por que camufla as placas, nos editais e nos pátios, o leiloeiro tentou sair-se pela tangente: _ Eu não camuflo as placas, eu não as exponho; camuflar é enganar, entrega-se. Quando lhe foi explicado que “não expor” é sinônimo de “não mostrar, não exibir”, justificou que cobre placas para “proteger” os clientes, defende-se.

Durante toda a entrevista, o leiloeiro manteve o blog da repórter aberto num telão e opinou que resolvera falar porque considerara as matérias publicadas bem completas. Ao lhe ser perguntado por que tanto receio de falar à imprensa e se tinha algo a esconder Vicente alegou, sem citar nomes, que ficou mais atento porque, segundo ele, “existe hoje centenas de blogs jornalísticos picaretas” (?!).

Mesmo num clima extremamente tenso, onde a conversa terminou com o leiloeiro em dúvida sobre o que fazer com a repórter, ora ameaçando-a de expulsão, ora de prisão, Vicente de Paulo concedeu 45 minutos de entrevista gravada. A seguir, os principais trechos:

Sem Censura – Eu falei com um rapaz aí fora que arrematou uma moto aqui na Vip e ele disse-me que lhe pagou 10% de comissão. Por que, se a lei manda cobrar 5%?

Vicente de Paulo – A lei manda o arrematante pagar 5% ao leiloeiro, mas a lei não veda que se atribua na arrematação outros valores como despesas de pátio, de logística, reembolso… A comissão do leiloeiro é 5%, mas a relação entre leiloeiro e comitente é livre. Cada leiloeiro tem liberdade para negociar o contrato como quer com o comitente.

Sem Censura – O senhor fala de comitente, mas quem me disse que pagou além dos 5% foi o arrematante de uma moto.

Vicente – Ele pagou 5% mais 5%; isso é adesão ao edital. Nós temos editais públicos e privados negociados dessa forma.

Sem Censura – Ele me contou que alguns compradores pagaram até 25%. Está no edital que o arrematante pagaria valores além do que determina a lei?

Vicente – É claro, óbvio. É impossível não estar no edital e ele sabia disso quando aderiu para participar do leilão.

Sem Censura – A Vip camufla as placas dos veículos nos editais e nos pátios e coloca o arrematante em total desvantagem. Por que o senhor age assim se, segundo o Detran, só se pode tampar placas de carros quando eles são sucatas?

Vicente – Eu não camuflo as placas; eu não as exponho; camuflar é enganar.

Sem Censura – Camuflar e não expor é sinônimo. Eu conheço leiloeiro que não oculta as placas nem de veículos sucatas.

Vicente – A lei diz que a gente precisa tornar público as condições do bem que vai ser vendido e a gente faz isso. No passado se divulgava o chassi e as placas dos veículos nos editais, mas por deliberação dos próprios leiloeiros. Hoje, não divulgamos mais para proteger quem tem o veículo leiloado e o arrematante.

Sem Censura – Proteger contra o quê?

Vicente – Contra os golpes, pois de uns cinco pra cá pessoas começaram a pegar as placas para aplicar golpes. Pegam as placas no mercado, capturam nos sites dos leiloeiros, as expõem publicamente, vendem informações.  Por isso, é uma prática no Brasil o leiloeiro não expor mais as placas. (Vicente interrompe a entrevista e tenta impedir o fotógrafo Douglas Júnior de fazer fotos dele, mas as fotos foram feitas, por insistência da repórter).

Sem Censura – A venda de informações é feita por meio de bancos de dados e assegura ao arrematante o direito constitucional de conhecer a situação do veículo que ele está comprando. Há alguma lei que veda esse sistema?

Vicente – Eu falo só de leilão, só de leilão…

Sem Censura – O senhor atropela o direito à informação e o princípio da transparência previstos no Código de Defesa do Consumidor para “proteger” comitente e arrematante. Não é contraditório?

Vicente – Desculpa Edna, mas você está mal informada, está enganada. Leilão não é Código de Defesa do Consumidor! A relação do consumidor é totalmente à parte do leilão. Em nenhum lugar do Brasil é relação de consumo. Leilão é parte de um edital público, é de adesão. Relação de consumo é exclusiva do CDC. Leilão é uma relação pública específica, com legislação específica.

Tão mal informado quanto esta jornalista parece estar o Superior Tribunal de Justiça. O STJ manteve, em acórdão fundamentado no Código de Defesa do Consumidor, a sentença condenatória que obrigou um leiloeiro a pagar indenização por danos morais à arrematante de um veículo que reclamou ter sido lesada.

Sem Censura – O Decreto-Lei 21981, de 1932, que regulamenta a profissão de leiloeiro sofreu alterações recentemente, até para se adequar à modernidade, a exemplo de leilões online, mas continua proibido cobrar do arrematante comissão acima de 5%. Porém, tem leiloeiro que após vender o carro cobra outros valores além desse percentual. A legislação é frágil para punir os infratores?

Vicente – Se tem leiloeiro fazendo isso, é crime; ele tem de cobrar o que está no edital. Existe na internet tanto blog, tanta gente mal intencionada. Parece-me que você, Edna, é muito bem intencionada para informar o seu leitor. Eu sei que você tem muitos leitores, mas não imagina o que existe de golpista se aproveitando de arrematante inocente.

Nós temos catalogados na Aleibras 197 sites falsos! Tem pessoas que se passam por banco de dados e que deveriam prestar um bom serviço, mas como cobram por ele, vendem informações no mercado, informam mal, prestam um desserviço. Estamos montando um serviço de inteligência para apresentar à Polícia, aos órgãos de fiscalização, a fim de tentar proteger a nossa atividade.

Sem Censura – Um promotor de Justiça do Maranhão me explicou que se o consumidor quer ver a placa e pagar a algum banco de dados para ter acesso ao histórico do veículo que pretende arrematar, é um direito dele fazer isso.

Vicente – Há algum tempo os leiloeiros pararam de expor as placas e as pessoas que faziam a coleta de dados e vendiam as informações diziam que as placas e as informações eram públicas e, portanto, deveriam ser divulgadas. Parece romântico isso, mas não é.

Sem Censura – Não me parece correto com o arrematante ocultar as placas dos veículos, deixando-o numa situação de extrema vulnerabilidade.

Vicente – Essas pessoas fazem de conta que estão pegando informação pública, mas se eu lhes der essa informação pública, elas pegam e vendem. Então deem gratuitamente, mas elas não dão. Ah, mostra a placa, por que ela é pública! Mas é pública pra elas pegarem e venderem. (risos do leiloeiro)

Sem Censura – O Detran e o Ministério Público afirmam ser ilegal esconder as placas de carros postos à venda, inclusive os de leilão.

Vicente – Dizem que agimos de forma ilegal, descumprimos a lei… balela, balela… Mentira, balela, mentira. Somos quase 100 leiloeiros que não expomos as placas e estamos esperando alguém questionar isso oficialmente pra respondermos judicialmente. O discurso é que as placas são públicas, deveriam ser divulgadas, mas eles as pegam pra vender informação. Esse é o primeiro ponto.

Sem Censura – O problema das placas cobertas se baseia apenas na cobrança pelas informações sobre os veículos colocados à venda em leilões?

Vicente – O segundo ponto é que essas informações dos bancos de dados não são abertas do jeito que eles querem que se abram as placas e o terceiro ponto é que nós não temos obrigação legal nenhuma de expor as placas, de expor os chassis. A nossa obrigação é informar o que vendemos e cumprir a legislação.

Sem Censura – Como foi a briga dos leiloeiros com a juíza federal Elizabeth Leão? Ela tinha realmente uma equipe pronta de pessoas para ocupar o lugar de vocês?

Vicente – Parece que tinha sim, foi um momento difícil; a juíza foi suspensa, eu prestei depoimento na Justiça Federal, em São Paulo, pois ela falou bobagens. A juíza disse, em entrevista, que queria acabar com os leilões porque só existiam leiloeiros picaretas. Essa fala dela gerou uma reação de revolta e um movimento de classe decidiu agir contra essa declaração forte e equivocada contra nós.

Sem Censura – Como ficou a relação dos leiloeiros com o Judiciário após a demanda com a juíza federal?

Vicente – Excepcional, nada mudou. A casa do leiloeiro é o Judiciário! Nós somos ligados ao Judiciário e mais do que isso, somos depositários dos bens da Justiça. Eu, há mais de 22 anos guardo os bens do Judiciário estadual, federal, justiça do trabalho, e para essa tarefa precisamos ter credibilidade.

Sem Censura – A profissão de leiloeiro exige que se tenha idoneidade…

Vicente – Você acha que quem está a 22 anos vendendo carros e bens no Brasil inteiro, provenientes dos maiores bancos e seguradoras, do Judiciário em todas as esferas; eu iria me sujar por uma moto, cobrar mais caro, como me perguntou? Eu tenho amigos jornalistas, advogados atuantes na área do consumidor e o Judiciário, como eu lhe disse, é a nossa casa. Eu tenho um compromisso agora.

Sem Censura – Só mais uma pergunta: moradores de São Luis me contaram que o senhor teria vendido carros que estavam no pátio da Vip, apreendidos pelo Detran, em 14 dias, ou seja, antes do decurso de prazo, que é de 90 dias. Isso é verdade?

Vicente – Eu não lhe respondo mais nada, eu preciso sair, preciso sair. Você está gravando… Então eu lhe peço, não publique nada; eu não quero que você publique nada, você não teve matéria comigo… Estou vendo que você é profissional nisso. Se você publicar, será sem a minha autorização(?!!)

 Vou chamar os seguranças para lhe tirar daqui… vou chamar a Polícia para lhe prender. E quanto a você – dirigindo-se ao fotógrafo Douglas Júnior – não use essas fotos para nada, entendeu?

(N.A.) Esta repórter  saiu da Vip Leilões sem o auxílio de segurança ou de Polícia, mas escafederam-se as fotos feitas por Douglas Júnior.  O rapaz, indicado pelo pai dele, o jornalista Douglas Cunha, atual presidente do Sindicato dos Jornalistas do Maranhão, não atendeu mais ao telefone e não saiu ao portão da casa onde mora quando procurado várias vezes para entregar e receber pelas fotos que fez do leiloeiro Vicente de Paulo.21

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